C O N T O S
DE IZIDORO FLUMIGNAN
(stories of izidoro flumignan)

M I S T É R I O

Publicado no Jornal de Tupã, data desconhecida.

 

 Aquele hábil investigador do Distrito estava intrigado.

As diligências levadas a efeito, pela equipe da Delegacia, deram em nada quanto a autoria do assassinato da esposa do industrial.

Quando o marido viera registrar o fato na repartição policial, revelava-se calmo, se bem que muito triste e até mesmo abatido. A esposa fora encontrada morta dentro do lago. Os exames periciais não acusaram afogamento. Não fora acidente, portanto. As lesões descritas no Laudo de Necropsia não deixavam dúvidas ter ela sofrido cortes, por arma branca, em diversas regiões do corpo, afastando a hipótese de cortes produzidos pela queda do corpo nas pedras pontiagudas do fundo do lago.

Haviam, também, equimoses. Talvez resultantes de  luta corporal, em defesa da própria integridade e desejo de sobrevivência.

Eram unânimes as testemunhas em afirmar que o casal era feliz, que vivia harmoniosamente. Que amavam-se.

O bom relacionamento social não deixava margem a dúvidas. Situação financeira estável. Nenhuma inimizade.

Então como explicar o triste evento?

Quem fora o autor dessa morte?

O marido empenhava-se na revelação e até já admitira “experts” para a elucidação do caso.

O hábil investigador pensava já dar o caso por encerrado, na esfera oficial, tais as dificuldades. Mas, era um inveterado e superticioso exoterista.

Cria, com sinceridade, que o nome das pessoas sempre contém um roteiro para os fatos que as envolvem.

-Todos, sempre dizia, trazemos, no prenome, um condicionamento. Um “quê” qualquer que nos arrasta para certos acontecimentos, como se estivéssemos determinados pelo prenome adotado.

E isto lhe parecia tal verdade que sempre ia ao Fórum saber a fundamentação das pessoas, nos processos judiciais, que postulavam pela troca de nomes.

Conhecera um tal de Pipa, que subtraira esse elemento de seu nome, e ele ficara rico. Com o nome Pipa talvez permanecesse pobre, como nasceu. E outro chamado Corrente. E eram tantos... que até perdia a conta.

Não havia nada de anormal em tudo isto. Mistérios existem. Coisas que a Ciência não explica e que a Parapsicologia torna objeto de seus estudos.

“O nome daquela vítima – pensava – não era de quem estivesse determinado a morrer afogado. A tônica de sua existência era o amor. Fora, porém, vítima do anti-amor. Jogada , ao depois, na água, em um grande aquário, em um lago. Não era mar, nem riacho. Lago. Ora, curioso o binômio amor e lago”.

Continuava o investigador seu raciocínio:

“ Vitimara aquela esposa um ato de anti-amor.O escoamento das águas de um grande lago enseja a formação de um rio. Anti-amor, o contrário do amor, nas ciências exotéricas, liga-se à palavra “ roma” . O escoamento do lago sugere “ rio” .”

- Ora, por que não Romário o autor do assassinato? , perguntou a si.

O investigador estremeceu com essa dedução.

Correu para o fichário a ver as anotações do registro policial. Trabalhara no caso apenas preocupado com o nome da vítima e não dera atenção ao nome do marido, jamais suspeito, por isso que pessoa destacada no contexto da sociedade local.

Aliás, conhecia-o bem pelo nome. Não pelo prenome.

Com efeito, não sabia o prenome. E na Delegacia, certamente, ninguém o saberia.

Indivíduo importante, era por demais conhecido pelo nome apenas. Pelo nome com que todos o chamavam em pessoa e na razão social de sua grande empresa: Durantino.

Senhor Durantino. Seu Durantino. Dr. Durantino. Fazendas Durantino. Durantino & Cia.

E o prenome?

Agitado, febricitante, como quem fica ao desvendar um grande mistério, o investigador manuseou, rapidamente, com solércia, o massudo fichário em busca do prenome do desditoso marido.

Lançou os olhos sobre a ficha destacada; percorreu o histórico; reviveu, mentalmente, num átimo, os lances das investigações até então procedidas, que a nada levaram. Relembrou as referências elogiosas  à pessoa do devotado marido, exemplar esposo e não se conteve.

Reviu, ainda, mentalmente, aquele homem, no gabinete do delegado, relatando o fato que tanto o consternara e que até mesmo o levou a contratar “ experts” para a descoberta do assassino.

Não teve dúvidas, porém.

Chamou o policial de plantão e com ele dirigiu-se à empresa do industrial. Lá chegando, altivamente, deu-lhe voz de prisão, no tom de quem sabe o que faz:

- Esteje preso, Dr. Romário.

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 Diante de tal impacto, empalidecendo, aterrado, possuído de um forte sentimento de culpa, retrucou o preso:

- Maldito! Matei-a, sim. Matei-a, sim, traído que fui por um fugaz sentimento de desconfiança. Ciúmes que reconheço doentio.

Que Deus me perdoe!

 


M A R C U S

H O M I C Í D I O
Publicado no Jornal de Tupã, 07/08/1959

 

Ele não teria acreditado, não fora a sinceridade e a convicção com que a mãe lhe dissera. Afinal, ela era testemunha, presenciara por várias vezes e não juraria atôa . Sobretudo ela, de profundo respeito religioso e que lhe dedicava especial carinho, como filho único que era. Todavia, restava ainda uma profunda dúvida: era preciso ver; e, se visse, não tinha dúvida, mataria o infeliz.

Mas, porque a esposa o traia? Perguntava-se. Não havia resposta.

Mário empalidecera só em imaginar o quadro: na noite marcada, lá ele estaria, de arma em punho, resoluto para o ato. Fosse quem fosse, mesmo que seu irmão. Não poderia haver ultraje maior, e, depois, mataria também a esposa. Da sebe, ao lado, poderia avistar o bandido, sem que fosse apercebido, sobretudo a noite, quando tudo é silencio. Depois arrastá-los-ia até a rua e iria entregar-se à polícia.

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 Ana não conseguira conciliar o sono da tarde. Estivera pensando na situação que criara para o filho. Ela não gostava mesmo da nora, não obstante a sua dedicação para com Mario.Já o casamento não fora do seu gosto. Tinha que separá-los a qualquer custo e Mário era demasiadamente sensível quanto a fidelidade de sua esposa. Era-lhe sincero e queria ser correspondido. Só um deslize dessa natureza seria capaz de levá-los à separação. Mas, agora, a história se complicara demasiado e ela tinha que provar a infidelidade da mulher de Mário. O único álibi seria uma viagem simulada do filho, que, escondido de traz da sebe, veria quando “ ele”, o traidor, viria cortejar sua esposa. Tinha certeza que Mário não o mataria. Ele era demasiadamente sensível para um assassinato: o máximo que poderia acontecer era uma briga com a esposa e, afinal, o abandono definitivo. “Tudo estava devidamente planejado”, pensou ela.

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 Caiu a noite. A lua se escondia por traz das pesadas nuvens implantando a escuridão no espaço. As sombras, mais intensas, se projetavam uniformes e só os vagalumes brilhavam de quando em quando.

Mário esperava. O coração batia-lhe freneticamente, e bagas de suor deslizavam-lhe pela face, quando um vulto se atirou nas sombras, demandando a casa. Três estampidos prostam o bandido que rola de bruço e se estende frente a porta.

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 O barulho e gritos de horror acordam a esposa que vem desesperada para fora. Mário, trêmulo, descobre-se da sebe e vem-lhe ao encontro. Agarra-a, louco, e tenta esgana-la, quando o filho lá dentro prorrompe em gritos. A mulher cai-lhe aos pés e jura-lhe, entre prantos, a fidelidade.

Titubeante, Mário descobre o cadáver do traidor: Sua mãe arregalava os olhos mortos e aterrorizados.  


V I N I C I U S

V I N G A N Ç A
Publicado no Jornal de Tupã – 05/08/1959

Afinal, ela desesperara de ser espancada. Seu marido, não era má pessoa, todavia aqueles repentes de ciúmes já se tornavam insuportáveis.

Antes de conhecê-lo ela namorara Pedro, rapaz decente; pobre, porém, decente. Amava-o. Foi quando a família interviu, sobretudo o pai, sempre descontente com a vida, da qual conseguira muito, quase nada.

Pedro era rapaz bem apanhado. Conformado com as privações cotidianas, adquirira modesta simpatia e a brandura com que falava era mesmo de inspirar ciúmes. Talvez não residisse propriamente aí os ciúmes do marido, e, por certo nem mesmo ele o sabia. O fato é que vinha se tornando dia a dia mais insuportável sua convivência.

Todos os dias a arenga era a mesma:

“ – Onde passaste o dia hoje?

“ – Ora, bem que o sabes. As crianças necessitam de cuidados; os empregados nada fazem se não se lhes repreender o comodismo. E, ainda, aqueles teus negócios me tomam quase todo o tempo, não sei que mais queres que eu faça a fim de passar o dia.”

Ele não se contentava, e a arenga se tornava, não raro, em pancadaria.

Não sabia, ao certo, os motivos dos azedumes do marido. A verdade é que a conversa revelava sempre atroz suspeitas de infidelidade. “Podia ser que os empregados andassem mexericando, pensou ela, mas sobre o que? Tão somente porque Pedro, ao retornar do serviço, passava por ali e lhe perguntava como iam as crianças? Era muito pouco”.

Antes de se casarem ele conhecera o rapaz. Sabia-o incapaz de uma traição. Aliás, participaram por longo tempo de um mesmo “time”, e, logo no começo do noivado, ele mesmo trazia as recomendações de Pedro. As vezes o convidava para as festas da família.

Tudo começou após o nascimento da terceira menina. No íntimo ele alimentava o desejo de ter um filho macho que lhe dirigisse os negócios na velhice, ao passo que Pedro tinha predileção pelas filhas meninas. Sempre o exteriorizara  a ele.

Um dia ela resolveu ser mais sincera:

“ - Que é que você pensa realmente, que eu faço? “

A pergunta esfriou-o, e a resposta não se fez ouvir. O braçasso atirou-a a um canto do quarto. Marta levantou-se, mirou-se no espelho: uma grande mancha azulava-lhe o rosto. 

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Naquela tarde o marido telefonara que não viria para o jantar. Nunca o fizera antes. O recado fora-lhe transmitido quando se preparava para sair: o Diretor da escola a chamara e o bilhete, um tanto borrado, encontrava-se sobre a mesa.

Os empregados, dispensados cedo, já tinham se retirado quando o marido chegou. A casa vazia. Leu o bilhete de sobre a mesa; subiu-lhe o sangue à cabeça ao não conseguir decifrar-lhe a data. 

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Pedro retornava sorridente para casa quando as balas o prostaram. O marido desvairado, perseguido, corre para o almoxarifado nos fundos do quintal. Empurra violentamente a porta...

Quando a polícia chegou ao local, ao lado do seu, jaziam ali, dois outros cadáveres: de Marta e do mordomo.

V I N I C I U S