A
medicina, com as demais ciências e artes, é participante
das ações de benefício ao interesse
público. É prioridade da sociedade
brasileira analisar o conjunto
de causas que elevam a violência urbana a níveis
insuportáveis nas grandes metrópolis para então
delinear um conjunto
de medidas eficazes para reduzi-la. Entre as causas
históricas, geográficas, econômicas e sociais,
destaca-se com relevância as pessoas que sofrem de dependência química.
Em 2016, a Assembléia Geral das Nações Unidas
sobre Drogas reconheceu o
fracasso do modelo criminal
de guerra total às drogas instituído na
década de 70. Tal política criminalística
propiciou o crescimento de negócios criminosos e aumento do
número de dependentes quimicos em todo o mundo, com ênfase
ao ocidente. Yuri Fedotov, diretor executivo
da UNODC - United Nations office on Drugs and Crime - disse:
"Temos que
colocar as pessoas em primeiro
lugar".
Com
esta afirmação, a ONU passou oficialmente recomendar
que o dependente químico precisa ser visto com os
"olhos da cidadania" e não de exclusão.
Trazendo então esta perspectiva ao
Brasil, a política sobre drogas através da lei
11.343, de 2006, que tomou a direção certa de proteger o
usuário e concentrar a repressão no traficante não
foi eficaz por falta de parâmetros objetivos para definir o
viciado do traficante, pois não estabeleceu a quantidade
exata, no caso, da maconha que possa ser portada sem crime. Alguns
países, como Portugual, estabeleceram 25 gramas e
outros também o atrelaram a
um atestado médico controlado, como no caso de alguns estados
dos EUA. O Uruguai optou por regulamentar, mesmo de forma liberal,
toda a produção, comércio e consumo, sob a tutela
do estado.
Mas o cerne da discussão pública
é decidir sobre o tipo de regulamentação
a ser instituída no Brasil, sem ferir a cultura enraizada
da proibição criminal e ao mesmo tempo atender os
aspectos médicos que se torna urgente em todo o mundo.
Atualmente, as
famílias brasileiras com um dependente
químico estão desamparadas
pois são clientes dos narcotraficantes
armados para manter seus milionários
negócios. Os
jovens dependentes
químicos estão marginalizados e acabam por
se tornarem
pequenos assaltantes para sustentar
sua dependência e acabam
nas penitenciárias.
A Human Rights Watch,
em 2005, apontou que 9% da população
carcerária respondiam por crimes relacionados a drogas. Em 2014,
já eram 28%. Afirma-se que a grande maiores deles foi apanhada
com pequenas quantidades de drogas, que não justificariam a
prisão. Em 2015, os números do o senso penitenciário - INFOPEN - do Ministério de Justiça, mostraram que 55%
dos detentos têm entre 18 a 29 anos, a maioria por porte de
drogas e/ou pequenos furtos.
"Então, uma
das principais causas da violência urbana pode ser
reduzida através de ajustes do "sistema legal" e do
"sistema de saúde", com menos intervenção
policial, pois o dependente químico é um
doente e não um criminoso".
As
leis atuais não contemplam o sistema médico nas
ações antidrogas do Brasil, tanto que o
Ministério da Saúde não estabelece prioridade
a este
grave problema, tratando-o de maneira precária inclusive sem
qualquer campanha preventiva para se evitar o uso das drogas.
Não
o faz pois o CONAD -
Conselho Nacional de Política sobre Drogas - está na
tutela da pasta do Ministério da Justiça e
não do
Ministério da Saúde. Desta perspectiva, o primeiro promove o incremento do estigma e o segundo a ampliação do olhar.
As famílias abastadas levam seus filhos aos
psiquiatras e aos psicólogos enquanto as
famílias de classe
média, não conseguem o mesmo devido
aos dispendiosos tratamentos de longo prazo, ficando totalmente desamparadas.
Se
todas as famílias puderem ter a oportunidade do tratamento
médico público de dependência química
é uma via relevante para reduzir a violência urbana.
Protegido sob o tratamento médico o dependente
químico poderá se eximir das medidas criminais.
O tratamento da dependência
química necessita
de uma
equipe multidisciplinar de saúde
mental. O tratamento deve estender o direito as
internações em clínicas de
reabilitação voluntárias e compulsórias,
incluindo hospitais-dia e hospitais-noite. Com isso, os
dependentes químicos terão maiores chances para
uma
vida produtiva e a sociedade se torna mais solidária e
menos violenta.
Só no bairro da
Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, o comércio das drogas
pelos traficantes está estimado de 10 milhões de reais por
mês (dados publicados pelo O GLOBO em 2018) proveniente da venda de maconha e cocaína.
Então, se estimarmos que cada dependente
químico gaste, em média, R$ 100,00 (cem reais) por
mês, esse
cálculo pressupõe a existência de cem mil
dependentes químicos que fazem suas compras mensais nas bocas da
Rocinha. Estima-se que 80% do faturamento do tráfico vem
da maconha e sua legalização poderá reduzir fortemente o poder
econômico deles.
Mais de 1,5 milhão de brasileiros
consomem maconha todos os dias, segundo Levantamento Nacional de
Álcool e Drogas (LENAD) realizado em 2012 pela Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo o estudo, 3,4
milhões de pessoas entre 18 e 59 anos usaram a droga em 2011 e 8 milhões já experimentaram maconha
alguma vez na vida – o equivalente a 7% da
população brasileira.
A erva da
maconha, como atualmente é consumida, é nociva ao
cérebro, porém genericamente menos do que o
tabaco e o álcool. Por
isso campanhas de prevenção do uso da maconha, tabaco e
álcool precisam ser massivamente
instituídas.
A ciência tem demonstrado sucessivos benefícios da canabis medicinal
para muitas doenças neuropsiquiátricas. Tantas foram as
comprovações científicas, que a ANVISA -
Agência de Vigilância Sanitária regulamentou em
2016 o uso do canabidiol no
Brasil, autorizando a sua importação, considerando que a
produção em território brasileiro continua
proibida.
Mães que precisam do canabidiol para tratar
seus filhos que sofrem de doença convulsiva que não
respondem a medicação comum, se reuniram em
associações para produzirem a
medicação no Brasil sob hábeas corpus,
considerando que a importação dos EUA custa por volta de
2,5 mil reais por mês, sendo mais um fármaco a causar
perdas de divisas brasileiras.
Portanto, regulamentar a produção e a comercialização da canabis medicinal no Brasil se torna uma estratégia nacional de saúde pública já endossada pela Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz.
O uso recreativo da maconha está mal conduzida
pelos regulamentos nacionais pois sua condição
criminal exige a formalização do Boletim
de
Ocorrência Policial e atualmente nem a lei ou a
jurisprudência estabelecem a
quantidade da maconha que poderia ser portada para diferenciar o
usuário do traficante, ficando e delito fica
dependente das circunstâncias do
flagrante que é descrito pelo policial, desfavorável para
os que moram nas periferias mais
pobres e sem advogados.
Chegou a hora do Brasil regulamentar o ciclo produtivo e uso da canabis medicinal atrelada a supervisão médica que garanta a manutenção do tratamento das
pessoas excluindo-as do crime se faz urgente, inclusive para reduzir a violência urbana, a
população penal e os negócios do narcotráfico.
Desta maneira, a sociedade
brasileira poderá expandir sua assistência aos dependentes químicos através da canabis medicinal e não como políticas meramente liberalistas.
Com esta visão, o apoio da opinião
pública se fará presente e
simultaneamente ocorrerá o enfraquecimento
do narcotráfico e da violência urbana.
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