DE HERDEIROS PARA HERDEIROS
- Uma visão geral do que as famílias fazem para perpetuar o nome e o patrimônio –
Izidoro de Hiroki Flumignan



    “Herdar é uma sorte!”

    O herdeiro recebe, ao nascer, coisas que não escolheu nem construiu. Pode-se considerar que é uma graça não precisar começar a vida do zero do ponto de vista patrimonial, cultural e profissional. Mas nem tudo é um mar de rosas para os herdeiros, que muitas vezes sentem-se carregando fardos pesados de expectativas familiares que se transformam em angústias atreladas ao sacrifício de continuar os sonhos de outros que não os seus.
   
    Ser um bom herdeiro é reconhecer o que foi feito pelos antepassados, suas histórias, sofrimentos, vitórias e respeitar profundamente o presente sabendo que da mesma forma que recebeu deverá preparar-se para deixar aos pósteros um legado melhor.

    A herança é um fato universal que vai além dos bens materiais. Também se herdam os genes, a cultura, a educação, as doenças, entre outras coisas. Portanto, pode-se dizer, que é através da herança que a humanidade evolui. Sucessivas gerações herdam o legado de outras que por sua vez dão continuidade ao interminável suceder dos tempos.
   
    Porém nem sempre as sucessões patrimoniais familiares são preparadas para serem suavemente realizadas, tornando o processo muito difícil para o herdeiro. Os estudos da FBN (Family Business Network Brazil), mostraram que 30% das empresas chegam à segunda geração e apenas 5% passam para a terceira geração. Para ser considerada uma empresa familiar é necessário que negócio passe pelo menos por 2 gerações.
   
    Por estes números pode-se entender que a transição patrimonial ainda precisa ser mais elaborada pela sociedade, pois as maiorias dos negócios sucumbem com o falecimento do fundador.

    O herdeiro é a peça chave da transição. Os fundadores desejam que seus legados continuem na família para oferecer mais oportunidades aos descendentes possibilitando, assim, maior independência, autonomia, crescimento pessoal e acima de tudo, propiciar uma família unida que se ajude mutuamente.
   
    As boas famílias desejam manter-se unida por um processo intrínseco de afinidades. Pelos sonhos comuns, pelos compromissos e envolvimentos, pela propagação e afirmação dos valores morais e éticos e pelos enaltecimentos aos seus heróis como exemplo para os pósteros. O bom compartilhamento dos bens materiais é um dos instrumentos para facilitar a realização destes desejos.

    Nas sucessões é relevante observar que a segunda geração funciona como “sociedade de irmãos” e da terceira em diante como “consórcio de primos”, que é a etapa mais complexa que determinará o futuro a longo prazo da organização proposta.

    Na fase do “consórcio de primos” o quantitativo de herdeiros cresce subitamente juntamente com a grande diversificação cultural proveniente das influências interfamiliares oriundas dos casamentos. Isto resulta em diferentes modos de viver e portanto, condutas as vezes contraditórias entre os membros da família.

    Para minimizar os conflitos, as famílias mais organizadas mostraram ser fundamental a criação de processos educacionais dos herdeiros com o objetivo de manter e administrar o bem comum familiar. Afinal, independente dos valores morais e culturais, o dinheiro é o fator de maior interesse para todos, pois regula o estilo de vida das pessoas, que tudo fazem para mantê-los e melhorá-los. 
   
    Há diferenças entre herdeiros e sucessores. O herdeiro está somente relacionado ao patrimônio e o sucessor a gestão dos negócios da família, da própria família e aos objetivos expressos pelos que serão sucedidos.

    O processo da sucessão envolve todos os membros da família, pois todos serão afetados pelas decisões do sucessor. Um modo de organizar a participação dos herdeiros na sucessão é através do “Conselho da Família” com a função de manter seu grupo disciplinado com regras previamente escritas e aprovadas. No desenrolar das organizações familiares é relevante a transparência da gestão, sem o qual este sistema, ou qualquer outro, não se sustenta.

    Na medida em que uma família vai sentindo-se mais importante seus líderes percebem a necessidade de preparar seus herdeiros mais intensamente. 

    Para estes desafios, muitas famílias procuram criar sistemas gerenciais formais para que possam atender seus objetivos de acordo com a legislação e com as próprias necessidades.
   
    As grandes famílias empresariais, com importantes controles acionários, utilizam a HOLDING FAMILIAR, que é uma empresa exclusivamente administrativa com a função de controlar uma ou mais empresas da mesma família, proprietárias com distintas participações, unindo-as num estatuto para decisões de interesses comuns. Este tipo de organização pode estabelecer, inclusive, um “pacto entre os acionistas” de grande abrangência, que pode incluir desde a ética dos negócios até as regras de casamentos dos acionistas herdeiros.

    Caso o associado não concorde com as regras do citado pacto, podem sair da sociedade, vendendo suas ações para a própria Holding Familiar ou na ordem de preferência previamente estabelecida. A Holding Familiar, entre outras vantagens, é bastante capitalizada, sua gerência protege as empresas dos abalos que ocorrem com a morte dos acionistas principais ou do fundador e tem as decisões patrimoniais centralizadas pelo Conselho da Família, que escolhe o Conselho Administrativo.  
    
    Outro tipo de organização é o ESCRITÓRIO FAMILIAR, com este simples nome devido sua antiga origem, pois foi muito usado na idade média, quando os senhores feudais saiam de suas cidades para lutas em terras distantes com risco de não retornarem. Para proteger seus descendentes que ficavam, outorgavam o gerenciamento de seus patrimônios para pessoas de confiança que prometiam garantir o sustento de sua família, sob a égide do reinado. Em tempos atuais equivaleria a relação fiduciária em que uma pessoa possui algo dado por terceiro com o dever de zelar como se fosse próprio.

    Portanto, desde a antiguidade, as famílias já necessitavam de um sistema de “Governança Familiar” para se protegerem e manterem-se unidas. Destas necessidades vieram os ESCRITÓRIOS FAMILIARES MODERNOS, com os mesmos objetivos dos antigos:  separar e gerir o que é da empresa e o que é da família, com a finalidade de proteger a descendência através de prestação de serviços.

    A governança familiar em tempos atuais é realizada nos Estados Unidos da América na forma de FUNDAÇÕES FAMILIARES. As famílias norte-americanas através da doação patrimonial do fundador criam objetivos específicos para prestar serviços à sociedade e aos herdeiros. Para estes últimos, inclui prepará-los para a sucessão, aconselhamento jurídico, consultoria em investimentos, desenvolvimento de sistemas fiscais, orientação aos negócios, suporte para empreendimentos e inclusive para gerir as ações filantrópicas e laser da família. Tais fundações também foram impulsionadas pelo elevado imposto norte-americano sobre as heranças equivalentes a 50% do patrimônio.

    A FUNDAÇÃO FAMILIAR “centraliza” suas ações através de deliberações em três esferas administrativas, a saber: (1) do patrimônio, (2) da empresa, (3) da família. Tais fundações, nos Estados Unidos, podem ou não, ter fins lucrativos, atender uma ou mais famílias, inclusive de diferentes linhagens. Os herdeiros perdem a propriedade patrimonial, mas mantém a sua posse administrativa, o que facilita a sua integridade e perenidade da instituição.

    Em ambas, tanto nas Holdings Familiares quanto nas Fundações Familiares,  administram-se com dois tipos de conselhos: o Conselho de Família (1) e o Conselho de Herdeiros (2). O primeiro conselho tem a função deliberativa enquanto o segundo tem o objetivo de ser treinado para suceder gradativamente o primeiro para se evitar as turbulências entre as gerações.
   
    Outros modelos de instituições, como as Sociedades por cotas limitadas, Sociedades associativas ou de Clubes ou Sociedades anônimas não atendem o objetivo de proteger a família, pois o controle patrimonial poderia migrar para terceiros, o que não acontece com uma Fundação e dificilmente com a Holding, a menos que ocorra a falência, factível a qualquer instituição.

    No Brasil não há previsão legal “específica” para as Fundações Familiares. O Código Civil Brasileiro estabelece que a constituição das Fundações devem atender os fins religiosos, morais, culturais ou de assistência social a serem estabelecidas pelo seu fundador.  O artigo 203 da Constituição Federal indica que entre os objetivos da assistência social, regulamentados pela LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n° 8.742/93) inclui a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo a crianças e adolescentes carentes; à promoção da integração ao mercado de trabalho; à habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária.  Também, o Decreto n° 2.536/98, que dispõe sobre a concessão do CEBA - Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (antigo certificado de filantropia), considera como entidade beneficente de assistência social, sem fins lucrativos, além das entidades que atuem nas áreas acima, aquelas que promovam, gratuitamente, assistência educacional ou de saúde.

    Por estas premissas, podemos considerar que, apesar de não constar especificamente as Fundações Familiares no Código Civil Brasileiro, é possível serem provisionadas com amparo legal. Porém a segurança de sua constituição somente poderá ser subsidiada através de advogados experientes que possam atender todos estes aspectos legais em seu contrato de fundação.

    Com certeza há muito mais que se analisar diante deste assunto complexo e importante. A partilha dos bens em partes iguais entre os herdeiros e o testamento são as formas mais comuns da transição patrimonial hereditária e trazem vantagens do ponto de vista social pois desconcentram a riqueza. Porém, a proteção familiar em instituições patrimoniais são práticas utilizadas desde a antiguidade.
   
    O presente artigo tem apenas o objetivo de apresentar um panorama geral das organizações familiares formais mais utilizadas pelas famílias ocidentais. É o resumo de um livro especializado acrescido da experiência pessoal do autor.
Se não houver respeito ao passado e atenção ao presente, muitos são os casos de famílias que se esquecem, a si próprias, no futuro.    

    A escolha do que fazer com os bens acumulados de uma ou mais gerações somente podem ser definidos pelos próprios detentores do patrimônio e líderes da família, enrustidos pelos seus aspectos carismáticos, cientes de que as oportunidades nem sempre passam duas vezes pelas vidas das pessoas.∞   

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