Herdar é, sem dúvida, uma dádiva. O herdeiro recebe, ao nascer, bens, tradições, valores e histórias que não escolheu nem construiu pessoalmente e que vieram de causas anteriores a sua própria vida. Herdamos não apenas patrimônio, mas também cultura, valores, saberes, crenças, doenças, vínculos e visões de mundo. São riquezas materiais e imateriais que nos livram do fardo de começar do zero, permitindo-lhe caminhar com o apoio de tudo que já foi edificado antes. Inclui nas riquezas imateriais o saber, a cultura, as tradições, a ética familiar, os traços de carácter, de personalidade e até mesmo a sucessão da espiritualidade. Já entre as riquezas materiais constitui o próprio corpo em que vivemos e os patrimônios edificados com o trabalho, inteligência e finalidades. Estas riquezes são privilégios que carregam consigo uma responsabilidade profunda: a de ser fiel ao passado, presente ao seu tempo e justo com o futuro. Nem sempre é leve o fardo da herança. Muitos herdeiros experimentam o peso das doenças e também as expectativas que não lhes pertencem, sentindo-se encarregados de perpetuar sonhos alheios. Cuidar da herança não significa apenas preservar o que recebeu, mas compreender o significado do que foi legado — as conquistas, os sofrimentos, as esperanças — e agir com consciência de que sua missão não termina em si mesmo, mas se projeta para além de sua existência. A humanidade evolui assim, por meio de sucessivas gerações que se erguem sobre as pegadas das anteriores. Mas para que a herança seja instrumento de progresso e não de ruína, é preciso haver preparo, intenção e ética na forma como ela é transferida. Do ponto de vista financeiro, as famílias sempre prontas estão prontas para essa transição. De modo geral, 30% das empresas familiares chegam à segunda geração e menos de 5% à terceira, conforme estudos da Family Business Network Brazil. A morte do fundador, na maioria dos casos, é o marco da dissolução de muitos negócios que não conseguiram institucionalizar seu legado. O fundador sonha que o legado permaneça na família, criando condições para a autonomia, o crescimento pessoal e a coesão entre os seus. Famílias fortes desejam permanecer unidas não pela obrigação, mas pela afinidade, pela partilha de sonhos e valores, pela celebração de seus heróis — que simbolizam a identidade coletiva e o senso de pertencimento. Para que isso ocorra, é necessário mais do que boa vontade: é preciso organização. A segunda geração forma, geralmente, uma “sociedade de irmãos”; já a terceira assume o formato de um “consórcio de primos” — fase crítica, marcada pela ampliação do número de herdeiros e pela diversidade cultural trazida pelos casamentos. Sem estruturas formais de governança, essa multiplicidade as vezes se transforma em conflito. Por isso, as famílias mais conscientes investem na educação e carinho entre os herdeiros para que aprendam a administrar o bem comum, conciliando interesses individuais com o bem-estar coletivo. Afinal, embora valores e ideais sejam distintos, o dinheiro — com seu impacto sobre o estilo de vida — continua sendo um ponto sensível e central. O herdeiro recebe o patrimônio; o sucessor, a responsabilidade. A sucessão, portanto, deve ser tratada com transparência e incluir todos os envolvidos, direta ou indiretamente. Uma boa prática é a criação do “Conselho de Família”, instância deliberativa que define regras de convivência e planejamento de gestão justo e funcional. Na medida em que uma família compreende sua relevância social, sente a urgência de preparar seus sucessores.É nesse ponto que surgem estruturas como a "Holding Familiar", voltada à centralização da gestão patrimonial e à proteção do legado. Com regras claras — as vezes até relacionadas aos contratos de casamentos, a holding garante estabilidade, capitalização e continuidade patrimonial minimizando os impactos da morte de várias gerações. Outras famílias optam por estruturas como o Escritório Familiar, que tem origens medievais, que faz a gestão dos bens da família, uma forma de governança para proteger o grupo familiar. Em algums países as famílias criam Fundações Familiares de forma institucional para que o patrimônio familiar estabeleça objetivos extra familiares como filantropia detal forma que os herdeiros perdem abrem mão da propriedade formal mas mantêm o poder de gestão coletiva, o que contribui para a longevidade da instituição. A governança familiar moderna tem por missão preservar o espírito da família, não apenas sua riqueza, seja por meio de holdings, escritórios ou fundações, é necessário criar estruturas que resistam ao tempo, às perdas e às disputas internas. Afinal, onde não há governança, reina o improviso — e este, quase sempre, conduz à desintegração. Compartilhar pode ser melhor que dividir os bens igualmente ou elaborar testamentos. Isto também colabora com a desconcentração da riqueza e favorece o equilíbrio social. Este texto é um panorama introdutório de modelos organizacionais familiares e reflete o estudo do autor com a síntese de obras especializadas. Mais que um guia, é um convite à reflexão sobre o verdadeiro sentido de herdar. Porque quem não honra o passado, se perde no presente — e desaparece no futuro. A escolha sobre o destino dos patrimônios materiais e imateriais acumulados ao longo das gerações cabe aos líderes familiares pois o dom de herdar deve vir acompanhado do compromisso de fazer florescer. E que, mais do que receber, o verdadeiro mérito está em saber devolver ao mundo algo ainda melhor do que se recebeu. Por Izidoro de Hiroki Flumignan, em 2011.
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